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Śivadṛṣṭi: O ponto de vista de Śiva


'Deveria-se adorar Śiva tornando-se Śiva'.

(Spandanirṇaya, II, 6-7)

 

Esse dar-se conta da identificação com o objeto da meditação (ou seja, Śiva) é uma absorção na unidade com Śiva, e esse dar-se conta da sua identidade com o objeto de meditação não é alcançado por mera determinação: ocorre apenas no caso de um aspirante espiritual com uma vontade firme; dito de outra forma: ocorre apenas no caso de um aspirante completamente absorto na vontade de se tornar um com Śiva, o qual é desprovido de pensamentos - Ele é totalmente desprovido de vikalpa-s - e possui a “Consciência do Eu” em tudo. Portanto, este é o significado do que foi afirmado acima: o dar-se conta da sua identidade com o objeto de meditação, ou seja, com Śiva, vem como resultado de um estado sem pensamentos.


Para aspirantes espirituais, mestres (aspirantes espirituais avançados), etc, esta perceção de que tudo é idêntico a si mesmo (isto é, que oele mesmo é um com todo o universo) é a causa da obtenção do objeto desejado. Em outras palavras, é a causa da sua (deles) obtenção de Śivavyāpti (inerência em Śiva), que leva diretamente à Libertação. Como é óbvio, neste contexto, “o objeto desejado” não são poderes sobrenaturais, residir em algum mundo superior e coisas do tipo, mas, sim, o estado divino de Śiva.


O objeto desejado é o estado de Śiva, como explicado antes; e este estado de Śiva é alcançado, de acordo com esta misteriosa instrução, tornando-se Śiva. Isto é: recordando arduamente na mente que tudo é Śiva, que não há nenhum estado que não seja Śiva; dessa forma, ele (o Yogī) finalmente se torna Śiva, ou seja, dá-se conta da sua identidade/unidade com Ele.


Mesmo que a deidade do seu mantra seja o aterrorizante Śiva de cinco faces, quando você alcança este dar-se conta da identidade com o objeto de meditação (o estado de Śiva), você apenas entra em uma condição na qual percebe a sua unidade com Ele. Você não vê nenhuma deidade ali. Ele apenas emerge como uma massa de Consciência e Bem-aventurança e você confirma que Ele é, de fato, Você (o Verdadeiro Você). Quando isso acontece, já que Ele é um com todo o universo, você também se torna um com o universo. Isso é Śivavyāpti, que leva à Libertação.


Você não pode alcançar esse estado de Śiva meramente por “repentinamente” resolver em sua mente que irá alcançá-lo. Por quê? Porque Ele está além dos vikalpa-s, ou pensamentos. Em vez disso, é o fruto da sua vontade firme, que persiste na direção de tal percepção. Todos os dias, lembre-se deste objetivo e persista, diariamente, no seu pedido para se tornar um com o Senhor que não tem pensamentos (Ele está para além do reino dos vikalpa-s) e é a Consciência do Eu em tudo (Ele é o Aham, ou “Eu” em todos os seres). Esta vontade firme não é apenas uma determinação mental, mas algo muito mais profundo e forte.

 

Śāmbhavopāya, o meio para a Libertação.

Segundo o Shivaísmo Trika, Śāmbhavopāya é o meio final para alcançar a Libertação (a aquisição do estado de Śiva). Em Śāmbhavopāya, há um estado totalmente sem pensamentos, ou seja, o yogī apenas espera pacientemente pela decisão de Śiva. Essa é a única coisa que ele pode fazer (permanecer sem pensamentos e esperar), porque a sua Libertação não está nas suas mãos (a saber: a Libertação é a obtenção da universalidade, tornando-se o próprio Śiva). Se alguém alcançará isso ou não, ou quando, ou onde, etc., não é decisão de nenhum 'indivíduo'. Por quê? Porque o indivíduo é considerado incapaz de o fazer, já que a impureza final, situada entre os tattva-s 5 e 6, não pode ser atravessada por meio de esforço. Isto é uma lei e eu expliquei como ela funciona, em diferentes partes do meu website e também no meu blog.

 

Enquanto você recorrer ao dualismo (isto é, estou aqui, mas não estou lá, existo agora, mas não mais tarde, não estou libertado agora, mas, no futuro estarei, etc.), está condenado a morrer. Mas, quando você vai na direção do Não-Dualismo, isto é, na direção de adquirir total unidade com Śiva, então você se torna imortal. Esta imortalidade é, então, obtida ao se alcançar o estado de Liberdade Absoluta, no qual Śiva reside.


Qualquer outro tipo de néctar de que você possa desfrutar (por exemplo, o néctar que desce de Nādabindu através do Lalanācakra até chegar à língua, como ensinado na Haṭhayogapapradīpikā), não lhe dará imortalidade, ou seja, a morte o derrotará no final. Isto é especificado no Svacchandatantra, que um néctar comum não é competente para o fazer triunfar sobre a morte. Somente o Néctar da Imortalidade, também chamado de estado de Śiva, pode.

 

Portanto, como uma conclusão de todos os ensinamentos acima, o coração do método para alcançar o verdadeiro Néctar da Imortalidade é 'Śivadṛṣṭi', ou seja, a constante perceção/lembrança de que tudo é Śiva, o Grande Senhor.


Por meio deste método, todos os sinais, ou marcas, da morte são completamente removidos, para sempre. Os néctares inferiores e os métodos para obtê-los - por exemplo, aquele em que se usa a língua para estimular a descida do néctar de Nādabindu, que os yogī-s conhecem bem, devem ser totalmente evitados, pois, com a ajuda deles, a morte acabará por dominá-lo ao final. Este é o significado.

 

Esta é a marca principal do Yogī: 'Ele Considera que tudo tem o estado de Śiva'.


Esta mesma verdade foi afirmada no venerável Vijñānabhairava:


"Onde quer que a mente vá, seja para fora ou para dentro, Ó Amada! O Estado de Śiva está lá, já que é onipresente. Ó mente, para onde irás então?"


Da mesma forma, na mesma escritura:


"Deve-se considerar, com uma mente livre de pensamentos, que todo o seu corpo e o mundo, simultaneamente, são compostos de Consciência; se ele fizer isso, haverá o surgimento da Realidade Suprema para ele." ||


Assim, o objetivo no Shivaísmo Trika é sempre 'Śivavyāpti' (inerência em Śiva), ou uma total percepção da não-dualidade do Supremo Śiva. Em outras palavras: dar-se conta de que todo o universo é Ele e apenas Ele.


Ainda de acordo com o Shivaísmo Trika, apenas Śivavyāpti concede a verdadeira Libertação.


Quando o discípulo alcança Ātmavyāpti (inerência no Ser), ele o faz por meio do favor do seu próprio Ser interior (Ātma). O seu preceptor espiritual (o seu Guru) deve guiá-lo até Śivavyāpti (inerência em Śiva). Em suma, o Guru tem que conduzir o discípulo ao estado em que ele finalmente se dá conta de que não só o seu Ser interior é Śiva, mas também o universo inteiro. Essa percepção da unidade entre o Ser individual e o Ser universal é chamada Śivavyāpti. Isto é a Libertação!


No entanto, muitos sistemas, como Pāśupata, Lākula, etc, postulam que o estado de Ātmavyāpti é a verdadeira Libertação. Por quê? Porque os seus fundadores não conseguiram renunciar à dualidade em relação à sua Natureza Essencial (Paramaśiva). Em outras palavras, falharam em perceber, devido ao poderoso Āṇavamala (impureza primordial que força o Senhor a se sentir “não pleno”, “imperfeito”), que eles também são um com o universo. Em vez disso, mantiveram a dualidade entre Aham e Idam, entre 'eu' e 'o universo', e esse ato deles os lançou para baixo, em um estado limitado chamado 'o estado de Vijñānakevala/Vijñānākala', no qual sentem que são Śiva, mas carecem de Liberdade Absoluta. Só se experimentam como Consciência, mas não têm Poder. É um estado cheio de êxtase, mas também é uma espécie de prisão (uma gaiola dourada), já que permanecem ali satisfeitos apenas com isso. E, como o objetivo de todos esses seguidores do caminho inferior, é o estado de Śiva sem nenhuma Liberdade Absoluta, nunca mencionam a Liberdade Absoluta do Senhor Supremo nos seus estudos.


No Shivaísmo Trika, já foi provado extensivamente que a doutrina de múltiplos seres é falsa, já que todos os seres são um com os infinitos atributos de onipresença, eternidade, ausência de forma, consciência, estado criador, etc, pertencentes ao Supremo Śiva. Assim, a noção de que o estado de Śiva está dividido em múltiplos seres é apenas o resultado de um raciocínio inadequado. Os seguidores desses sistemas errôneos falam sobre 'outro Ser separado de Paramaśiva' e, como consequência, não podem compreender que o estado de Paramaśiva permeia tudo e em todos os lugares. Mas, se, por meio da Graça deste mesmo Senhor, eles obtiverem acesso aos ensinamentos do Shivaísmo Trika e, novamente, pela Graça do mesmo Senhor, decidirem seguir esses ensinamentos sagrados, então, eles poderiam, finalmente, perceber o verdadeiro estado de Paramaśiva. Isto é Śivavyāpti, isto é a verdadeira Libertação!


'Todos os adoradores do Ser alcançam, por meio do Shivaísmo Trika (por meio do conhecimento declarado na filosofia Não-Dualista do Senhor Supremo, Paramaśiva), o Supremo Śiva."


Nesta iniciação do discípulo que alcançou Ātmavyāpti, a fim de que ele alcance Śivavyāpti, ocorre a verdadeira Libertação. Esta é a culminação de todos os esforços espirituais feitos, muitas vezes e durante muito tempo. É marcada pela aquisição de Jagadānanda (a Bem-aventurança de perceber que 'Jagat', o universo, não é nada além de Paramaśiva). Em Ātmavyāpti, o discípulo experimentou apenas Cidānanda (a Bem-aventurança de perceber o Ser interior, que é a Consciência interior). Finalmente, após receber esta iniciação suprema, o Yogī alcança a verdadeira Libertação.


O conhecimento sobre o Coração, ou Núcleo, de tudo é o conhecimento sobre a Natureza todo-penetrante e todo-inclusiva da Realidade Suprema (Paramaśiva).


Quando o Guru explica ao discípulo que, tal como a gigantesca figueira-de-bengala reside numa pequena semente, assim também todo o universo reside em Paramaśiva, este é o tipo mais elevado de iniciação, pois permite ao discípulo compreender a Totalidade.


Antes, na ignorância, o universo era percebido como uma realidade separada e distinta do indivíduo, mas agora, depois de ser assim iniciado, o discípulo percebe que, na realidade, tudo é Paramaśiva (dentro e fora), e que ele próprio também é Paramaśiva.


Não há maneira de colocar essa experiência em palavras precisas, por causa da limitação inerente às próprias palavras. Esta é, claro, a obtenção da Libertação Real, de acordo com o Shivaísmo Trika.



 

 

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